Marcos Formiga
Acompanho com interesse a premiação anual e a chegada do mês de outubro, quando da divulgação dos premiados e da entrega do Prêmio Nobel no dia 10 de dezembro, aniversário do seu criador, o empresário e cientista Alfred Nobel.
Em 1996, uma parceria da Fundação Roberto Marinho com o canal de Televisão Educativa do Estado de Minas Gerais, foi realizada, pela primeira vez no Brasil, a transmissão ao vivo da solenidade de entrega do prêmio, com o estratégico apoio da Embaixada da Suécia no Brasil.
Em visita àquele país e em Estocolmo, a prioridade foi conhecer todo o roteiro dos lugares onde acontecem os eventos relativos ao Prêmio Nobel: Sede da Real Academia de Ciências da Suécia, Teatro/Auditório da grande solenidade, Local da Municipalidade onde ocorre o banquete aos vencedores e o hotel que os hospedam. Ao longo do interessante roteiro, comprova-se a exemplar organização do Prêmio Nobel, sempre com a marca registrada de eficiência da tradição sueca.
Na sede de sua Academia de Ciências, foi adquirido um pôster ilustrativo das áreas de conhecimento: Física, Química, Fisiologia (Medicina), Literatura e Economia. Uma vez que o Nobel da Paz é de responsabilidade do Parlamento norueguês, ao retornar ao Rio, emoldurado o pôster e agendada sua entrega ao então presidente da Academia Brasileira de Ciências, local que costumava frequentar e, naquela ocasião, participou-se de almoço de confraternização com o então presidente e alguns amigos acadêmicos.
Em 1969, na pós-graduação em Economia (PIMES) na Universidade do Recife, todos os estudantes e professores ficaram exultantes com a atribuição do Prêmio Nobel à Economia, sob os auspícios do Real Banco Central da Suécia. Reconhecia-se assim, após sete décadas de institucionalização do referido Prêmio, o protagonismo da Ciência Econômica dentre todas as Ciências Humanas e Sociais.
Graças aos professores Roberto e Clóvis Cavalcanti, foi possível conhecer pessoalmente o Professor Gunnar Myrdal antes de agraciado, como conferencista em um curso compacto proferido no mestrado de Economia, e, no ano 2000, também o Professor Amartya Sen, em Brasília, quando a convite do então presidente Fernando Henrique Cardoso para a solenidade especial e concessão da Gran Cruz da Ordem do Mérito Científico do governo brasileiro, no Gabinete Presidencial, no Palácio do Planalto. Os dois professores, mundialmente reconhecidos, são exemplos máximos como vencedores do Nobel de Economia, em 1974 e 1996 respectivamente. Sem nenhum questionamento quanto ao mérito dos agraciados, nem sobre a relevância da temática de pesquisa e da atividade profissional por eles desenvolvidas.
Aos vencedores do Nobel de Economia/2020, professores da Universidade de Stanford/USA, Paul Milgrom e Robert Wilson, os devidos cumprimentos.
Entretanto, no exótico e insólito tema de pesquisa premiado neste ano, registra-se algo comum, seja pela falta de relevância, seja pela sua insignificância: não atinge o grau de pertinência esperada pela maioria da comunidade de economistas.
Logo após a divulgação dos premiados, houve oportunidade de discutir o assunto com vários colegas, e todos estavam desapontados, o que provocou assim um clima generalizado de decepção, daí esta opinião despretensiosa. Tal equívoco conflita com o objetivo filosófico da Ciência Econômica e com as finalidades para as quais o Prêmio foi instituído. Desse modo, em modesta análise, a premiação em Economia, com raras exceções, constitui-se um ponto fora da curva – na linguagem usual dos economistas/matemáticos. Constata-se um viés permanente de alta pela preferência ao Nobel por profissionais/pesquisadores que se destacam no uso da Matemática, Econometria, Estatística e outros instrumentais necessários em suas pesquisas, seja teórica ou aplicada, a utilização dessas técnicas quantitativas enquanto necessárias à comprovação e evidências do comportamento do homo economicus.
Professores, pesquisadores profissionais e agentes econômicos reconhecem que se atravessa uma profunda crise na ciência econômica. Parte dessa interpretação atribui-se à exacerbação ortodoxa do quantitativismo em Economia, no momento em que se esquece dos argumentos usuais em outras Ciências Humanas e Sociais, cujos profissionais, em escritos recentes, ressaltam a necessidade de aproximação e afinidades dos estudos e pesquisas nestas áreas pela indispensável interdisciplinaridade, na compreensão e interpretação da sociedade; advertem ainda para a possível deturpação atual dos jovens economistas. Há uma perniciosa segmentação que trata os economistas heterodoxos designados como um grupo a não ser levado a sério, apesar de terem uma história muito melhor de previsão de eventos econômicos do mundo real. Atualmente, as escolas de pensamento econômico não ortodoxo são tratadas como minorias desprezíveis. Ao que parece, esta imagem tem muito a ver com as temáticas e alguns vencedores do Nobel em Economia, que defendem e representam esta tendência minimalista da ciência econômica. Ao que parece, essa imagem se identifica com as temáticas paraeconômicas e alguns vencedores do Nobel de Economia, embora acadêmicos reconhecidos, não são necessariamente identificados com a ciência econômica.
Para ilustrar o argumento acima, dois exemplos merecem ser relembrados: Celso Furtado (1920-2004), considerado internacionalmente o maior economista brasileiro. Ao integrar um grupo de economistas que colaboraram na preparação do seu dossiê como candidato ao Nobel de Economia em 2003, com o devido prestígio e endosso da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras, das quais ele era membro, incluiu-se, ao adicional aval, o apoio de dois vencedores do Nobel nesta categoria. Outro exemplo, o célebre economista/matemático romeno Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994), também indicado como candidato ao Nobel de Economia. Ambos, quase unanimemente reconhecidos como merecedores do galardão, e respectivamente descartados.
Outro registro ainda no Recife, o notável Professor Georgescu, de quem tentarei ser ao máximo fiel ao que afirmou, algo como: “A economia não é e nunca será uma ciência exata. Aqueles economistas que optaram pela matemática é porque a matemática é muito mais fácil que compreender e dominar a complexidade do pensamento econômico.” E continua sua advertência: “A Economia utiliza e necessita de métodos quantitativos, apenas como instrumental secundário, mas sua essência não depende daqueles.”
Em um mundo de economia estagnada há várias décadas, convivendo desde 2008 com o crash, resultado do agravamento de um amontoado de problemas sociais quase insolúveis, prevalecem: crescente concentração de renda há 40 anos, em que pouquíssimos privilegiados detêm majoritariamente a riqueza, quando milhões dividem a pobreza e a miséria, acentuados com a globalização e os desequilíbrios intra e interpaíses. Ao mesmo tempo em que periga a sustentabilidade mínima do planeta, com ameaças reais à sobrevivência da Humanidade, enquanto os economistas do mainstream mais parecem economistas siderais que observam do alto, tal qual um astronauta, um mundo muito distante em infinito e belo azul!
Ao observar novamente a temática recém-premiada, passa-se a sensação de que o Nobel em Economia se constitui refúgio ou substituto de um Prêmio Nobel inexistente para pesquisadores e profissionais reconhecidos pela sua competência em métodos quantitativos. O Prêmio Nobel, em razão de sua representatividade indiscutível, deveria, com sua existência, principalmente pela contribuição dos seus vencedores, atuar construtivamente para retirar a Ciência Econômica da sua crise profunda acima referida. E, em especial, preocupar-se com os jovens economistas que, decepcionados cada vez mais, afastam-se desta área de conhecimento, por julgar uma ciência alienada e alienante.
Aqui está uma simples reflexão de um observador atento, de um país do hemisfério Sul até então não lembrado em nenhuma das categorias do Prêmio Nobel, nos seus 120 anos de existência.
O apelo que se faz aos componentes do Comitê de Seleção atual e aos futuros membros é no sentido de que incluam em seus temas assuntos relevantes para a Humanidade, compartilhando a alegria pela repercussão e reconhecimento dos avanços das fronteiras do saber, ao ver premiados aqueles que efetivamente agregam soluções aos problemas da comunidade e à qualidade de vida das pessoas, tal qual o estudo da vacina para hepatite C (Fisiologia); o início da compreensão do ainda desconhecido “buraco negro” (Física); e o vislumbre da irrisória participação das mulheres como vencedoras laureadas pelo desenvolvimento do método de tesoura genética (Química). Estes temas e seus vencedores transmitem um compartilhamento de solidariedade e coesão social para toda a Humanidade. Lamentavelmente, esta satisfação não mereceu igual receptividade o Nobel de Economia de 2020.
Reitere-se o apelo aos renomados pesquisadores que integram o processo de julgamento no prêmio de Economia, para selecionar temas que possam minorar ou superar os problemas socioeconômicos de mais de 7 bilhões de habitantes da Terra.
Que seus estudos não ajudem a aprofundar a crise permanente da economia mundial. Que nos tragam melhores exemplos e boas práticas, além da transparência e imparcialidade em suas escolhas; que o Comitê de Seleção seja mais rigoroso, no entanto, antes de pensar em ajudar a resolver problemas de indivíduos já privilegiados, possam comprovar a verdadeira responsabilização para com o bem-estar da coletividade; que os responsáveis pelo Prêmio Nobel em Economia tenham em mente a maioria da população que passa privação em suas necessidades básicas de morar, comer, vestir e locomover-se e não a já superprivilegiada e minúscula elite de pretensos “donos do mundo.”
A profunda crise que atravessa a ciência econômica devido ao afastamento de sua essência tem, dentre as raízes, dois fenômenos: desigualdade socioeconômica e deterioração na qualidade da democracia no mundo – desdemocratização.
Apesar do relativo progresso no combate à desigualdade alcançado no século 20, a partir de 1980, em todo mundo, reverte-se esta tendência e, atualmente, acumulam-se quatro décadas de políticas quase inócuas no enfrentamento ao problema.
Evidentemente a democracia avançou no século 20, até 1980, e começou a perder espaço desde então, tendência que persiste nas duas primeiras décadas do século 21, totalizando quarenta anos de retrocesso democrático. Essa realidade de deterioração das condições gerais da democracia conflui para a comprovação do crescimento da desigualdade socioeconômica no mesmo período.
Não há leilão capaz de resolver tamanho desafio.